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Manejo e cuidados com Serpentes

Manejo e cuidados com Serpentes

Muito diferente do que ocorre com as espécies de mamíferos e de aves, tradicionalmente criados tanto para pesquisa laboratorial quanto para produção de peles, carnes e outros subprodutos, as serpentes ainda não têm o status de animais de laboratório ou de produção. Isso se deve, em parte, ao fato de terem sido consideradas tradicionalmente animais prejudiciais e foi a muito custo que se conseguiu evitar a sua matança, para que estas fossem levadas aos serpentários e utilizadas como fornecedoras de veneno.

Iniciaremos abordando uma série de aspectos biológicos relevantes das serpentes, como algumas de suas características morfológicas, seus hábitos e referências básicas para sua identificação. Posteriormente, analisaremos os aspectos mais específicos, relativos aos tipos de serpentários, sua organização, funcionamento e os principais problemas que costumam aparecer para quem deve criar e manter serpentes em cativeiro.

Além da forma extremamente alongada do corpo, da falta de membros locomotores, e da posse de escamas epidérmicas cobrindo todo o corpo, as serpentes são caracterizadas pela ausência de pálpebras móveis e de ouvido externo. Caracterizam-se também por apresentarem grande elasticidade nos movimentos cranianos, Criação e manejo de serpentes especial nas articulações das mandíbulas, unidas entre si apenas por um ligamento elástico, e com o crânio pelos ossos móveis quadrado e supratemporal. Nas vértebras, existem articulações adicionais, que limitam a mobilidade entre uma vértebra e outra, diminuindo o ângulo articular, o que é compensado pelo alto número de vértebras (entre 180 e 400). No conjunto, a elasticidade e a flexibilidade dos movimentos necessários para a locomoção são preservadas e até aumentadas. Tais articulações se tornaram necessárias para garantir o suporte a uma coluna vertebral extremamente longa. A pele é trocada periodicamente em um processo chamado de ‘muda’, que, geralmente, desprende-se inteira, começando pela borda dos lábios. Alguns dias antes da muda, as serpentes ficam com a pele esbranquiçada, pela interposição de líquido entre a velha e a nova camada epidérmica, e diminuem bastante a atividade, recolhendo-se a cantos tranqüilos. Logo depois da ‘muda’, ficam novamente muito ativas, com um aspecto renovado e cores mais vivas. As escamas são córneas e apresentam alfa-queratina, enquanto os espaços entre elas, que devem ser muito elásticos, estão compostos por beta-queratina. Existem escamas de diversas formas, texturas e tamanhos, muitas vezes fruto de adaptação para funções específicas. Uma das mais notáveis adaptações é observada nas cascavéis, que apresentam um apêndice caudal – o chocalho – constituído por modificação de escamas, mas que também envolve a fusão das últimas vértebras caudais, formando uma peça única o estilo no qual se inserem os músculos que movimentam esse órgão. Os segmentos córneos do chocalho se articulam frouxamente entre si, por sua forma peculiar, e cada um representa uma porção remanescente da muda de pele.

Os órgãos sensoriais têm permitido às serpentes explorar de forma surpreendente as potencialidades dos ecossistemas de que fazem parte. A visão apresenta diversos graus de desenvolvimento nos diferentes grupos, mas, em geral são míopes e a acomodação visual é ineficiente, estando esse sentido muito mais vinculado à detecção de movimentos do que de formas. Os olhos, sem pálpebras, estão protegidos por uma escama semelhante a uma lente de contato, a qual é trocada junto com a pele. O olfato é bastante desenvolvido nesses animais, mas não está associado ao epitélio das fossas nasais, que parecem ser responsáveis principalmente pelo acondicionamento e condução do ar para a respiração. Os movimentos vibratórios da língua, fina, comprida e bifurcada, permitem à serpente fazer uma varredura de partículas do ar, que a extremidade se encarrega de conduzir para o órgão de Jacobson, um quimiorreceptor especializado, revestido por epitélio sensorial, o qual se abre por dois orifícios na mucosa bucal superior logo atrás da escama rostral.

A audição de sons transmitidos pelo ar praticamente inexiste, em virtude da falta de ouvido externo e médio.

A termorrecepção é uma adaptação presente em duas famílias de serpentes (Boidae e Viperidae), o que permite a esses animais uma maior facilidade na detecção, aproximação e captura do alimento, constituído de pequenas aves e mamíferos, emissores de radiação infravermelha. Os boídeos apresentam adaptações sensitivas nas escamas supra e infralabiais que, em alguns casos, formam fileiras de fossetas.

Com referência à alimentação, podemos dizer que todas as serpentes são carnívoras e engolem o alimento inteiro, já que seus dentes agudos e recurvados não lhes permitem parti-lo. Os dentes das serpentes não possuem raiz e encontram-se ‘cimentados’ em depressões superficiais dos ossos dentários. Como são agudos e delicados, costumam danificar-se, existindo um mecanismo pelo qual periodicamente são trocados por outros novos, que se formam em locais próximos aos de sua implantação. Essa renovação ocorre durante toda a vida da serpente. O tipo de alimento, que inclui desde lesmas e outros moluscos gastrópodes, artrópodes (como insetos e miriápodes), peixes, anfíbios, répteis (inclusive outras serpentes), aves e mamíferos, e a estratégia de captura, que apresenta desde espécies constritoras até envenenadoras, variam muito dentro da subordem das serpentes.

Criação e manejo em cativero

Tanto por simples curiosidade, por uma finalidade didática de se mostrar esses animais em zoológicos e museus, ou pela necessidade de obtenção de seus venenos para pesquisa e produção de medicamentos, desde tempos imemoriais, mas em especial desde o fim do século XIX, começou-se a manter, reproduzir e criar serpentes. No início, de uma forma intuitiva e, posteriormente, de forma cada vez mais técnica, tentando reproduzir da melhor forma possível as condições ambientais necessárias, os serpentários vêm enfrentando o desafio de aprimorar a criação desses animais, possibilitando, cada vez mais, uma maior independência de sua captura nos ambientes naturais. Grande número de pessoas no mundo, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, criam serpentes como animais de estimação, em terrários, e há uma grande quantidade de manuais e revistas especializadas no assunto. Além disso, eleva-se o número de sociedades e lojas especializadas nos mais diversos países. Atualmente, a Internet revela inúmeras páginas que tratam da criação de répteis como mascotes (pets). Zoológicos e museus, incumbidos por seus fins didáticos, sempre expõem serpentes como uma de suas principais atrações.

Água

Alguns autores recomendam manter permanentemente um recipiente com água limpa em cada caixa. Entretanto, dependendo da espécie, isso não é necessário, já que, em geral, as serpentes bebem muito pouca água, eventualmente derrubando os bebedouros e encharcando a caixa, que acaba se tornando imprópria para a permanência do animal. A permanência do recipiente com água (principalmente se é poroso, como os de barro) pode ajudar nas mudas de pele, não só pela umidade, como pelo fato de representar um substrato rígido e rugoso para o animal se esfregar nesse processo. Também ocorre de as serpentes eventualmente entrarem no recipiente da água, o que as auxilia, livrando-as de alguns ectoparasitos, como os ácaros.

Substrato

Um substrato apropriado forrando o piso da caixa é muito importante para o conforto do animal. Pode se utilizar papelão ondulado, para evitar o apoio de todo o ventre do animal sobre a ‘cama’. Outros serpentários utilizam substratos diversos, como maravalha ou papel de jornal. Um refúgio, que pode ser um tijolo oco, um vaso de planta furado e invertido, um tronco oco ou um canudo de papel. Criação e manejo de serpentes dará conforto ao animal e evitará estresse excessivo. Isso é fundamental para algumas serpentes como as corais, e para filhotes em geral.

Ganchos

O manuseio normal das serpentes requer o uso de ganchos, instrumentos também de uso tradicional. Eles permitem levantar e transportar a serpente ou imobilizá-la com muita praticidade. Os ganchos podem ser confeccionados com certa facilidade, utilizando como haste um cabo de vassoura ou de bambu, ao qual se fixa numa extremidade um gancho metálico em ‘L’. Este pode ser de alumínio, aço ou ferro. O comprimento deve ser apropriado para o tamanho da serpente e o conforto do operador, e deve estar de acordo com a área disponível na sala.

Acondicionamento e quarentena

o animal já identificado e registrado recebe um tratamento profilático com vermífugo e eventualmente (caso haja ferimentos) os cuidados complementares necessários (curativos, hidratação, antibioticoterapia etc.). Passa então por um período de quarentena, sendo observado do ponto de vista sanitário e de sua adaptação ao cativeiro. Durante a quarentena é oferecida a primeira alimentação, pois a aceitação da mesma representa um bom sinal para a integração ao plantel. Geralmente, a não aceitação do alimento deve-se ao estresse, mas também pode ser por ferimentos internos ou qualquer patologia, nem sempre detectável. Serão necessários ainda muitos estudos até que tenhamos uma idéia mais aprimorada do diagnóstico e clínica desses animais. Em geral, quando se percebe qualquer transtorno no comportamento da serpente, a moléstia já se encontra estabelecida. Portanto, é imprescindível, na rotina de trabalho, prestar atenção até mesmo a pequenas alterações dos hábitos dos animais. Dessa forma, será possível agir prontamente, evitando-se a morte do animal ou a propagação de uma epidemia de conseqüências imprevisíveis no serpentário. Dependendo dos cuidados no manuseio e das condições de assepsia durante a manipulação dos animais, além da estrutura e higiene dos viveiros de manutenção, poderão ocorrer lesões. É razoavelmente freqüente a ocorrência de ferimentos no focinho ou na mucosa bucal, já que, mesmo condicionadas ao cativeiro, as serpentes tentam a fuga com bastante assiduidade ou dão botes contra as paredes dos viveiros. Essas lesões iniciais podem facilmente virar abscessos. Às vezes, as serpentes são feridas pelos animais oferecidos como alimento no momento da captura.

No inverno o problema das doenças infecciosas torna-se mais crítico, o que induz um aumento na mortalidade. Nessa época, costuma ocorrer casos de pneumonia, em particular nas cascavéis, mas também em jararacas. Dentre os endoparasitas, foram mais freqüentemente observados protozoários flagelados no intestino, mais raramente platelmintos (Trematódeos e Cestódeos). Nos exames coproparasitários aparecem ovos de Nematódeos (Rhabdias e Kallicephalus).

Infestação por ectoparasitos, dentre os quais se destacam os ácaros e os carrapatos. Os carrapatos (Amblyoma sp) são freqüentemente observados em serpentes provenientes da natureza. Dessa forma, recomenda-se tomar os devidos cuidados terapêuticos e profiláticos (vermifugação e controle de ectoparasitos) durante o período de quarentena dos animais recém-chegados. O acondicionamento dos animais é feito nas caixas individuais, como visto oportunamente.

Alimentação

A freqüência da alimentação varia com a idade dos animais: para a maior parte das espécies, é semanal nos neonatos até 1 ou 1 ano e meio de vida, quinzenal em animais jovens, entre 1 ano e meio e 3 anos de idade, e mensal nos animais adultos. A alimentação consiste habitualmente de camundongos albinos, cujo tamanho, peso e quantidade são determinados conforme as necessidades de cada serpente. No caso dos adultos do plantel de produção de veneno, a alimentação é oferecida uma semana após a extração, tempo suficiente para as serpentes se recuperarem do estresse e terem produzido um mínimo de veneno, necessário para a captura e correta digestão do alimento. Quando uma serpente não aceita alimento de forma espontânea, e uma observação clínica não detecta qualquer patologia, procede-se à alimentação forçada, sobretudo em exemplares que por sua importância justifiquem essa atenção especial. Nas regiões tropicais e em serpentários climatizados, geralmente a freqüência alimentar se mantém durante todo o ano, mas eventualmente ocorre rejeição, regurgitações e aumento de mortalidade durante o inverno. Fêmeas prenhes podem ter sua freqüência alimentar alterada, muitas vezes recusando qualquer alimento durante alguns meses.

Escrito por Dra Juliana Guilherme (CRMV 24006), Médica veterinária especialista em atendimento de animais silvestres e proprietária  da Clínica Veterinária Pet Care Itu


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